terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

OS CLUBES DE TROCA E A EXPANSÃO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

(Parte I)
I - ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS

A expansão de atividades típicas de economia solidária no Brasil se dá a partir dos anos 1980 e 1990, período denominado como “as décadas perdidas”, visto que, em conseqüência das mudanças econômicas no mundo desenvolvido, mais especificamente na economia norte-americana
[1], as economias subdesenvolvidas, dentre estas, a brasileira, passaram a amargar variações do PIB próximas de zero, acarretando situações adversas com forte impacto na deterioração da qualidade de vida de seus habitantes.

As práticas de economia solidária vão desde as produções e formas de comercialização com foco na equidade, partilha e respeito ao meio ambiente, utilizando-se de associações e cooperativas populares, passando por empresas autogestionadas, [2] a formação de cadeias e redes produtivas e, principalmente, pela formação de clubes de trocas solidárias, geralmente atreladas ao uso de moedas sociais e bancos comunitários ou sociais.

Entende-se por clubes de trocas às associações dos chamados prossumidores[3], geralmente moradores de uma dada comunidade local, os quais produzem e consomem produtos, serviços e saberes internamente, recriando espaços econômicos para produtores que, por condições como idade, qualificação e inexperiência laboral formalizada são expulsos ou impedidos de fazerem parte da economia de mercado.

Os clubes de trocas solidárias aparecem como uma forma de resistência criada pelos trabalhadores a um contexto de exclusão, originado pela concorrência capitalista, visto que as funções de produção[4] decorrentes dessa disputa são, invariavelmente, intensivas em capital e, consequentemente, excludentes de mão de obra.

Tais clubes de trocas ao serem criados fazem uso das feiras de trocas solidárias, onde, invariavelmente, ocorrem múltiplas transações, sem uso do chamado dinheiro (ou moeda) oficial e, o que é mais importante, sem a intensão de ganhar impondo perdas ao outro participante da transação. Na necessidade de dinheiro para permitir, através do troco, as permutas de bens de valores distintos, são utilizadas exclusivamente as moedas sociais, criadas por cada clube de troca.

Na criação de tais moedas, ou mais especificamente, na definição do nome, formato, cores e representações contidas nas mesmas, há toda uma preocupação de fazer representar as características, lutas, conquistas e identidades da comunidade. Isto explica, por exemplo, porque no município de Valença, no Rio de Janeiro, a moeda social criada pelo clube de troca local denomina-se Coroados. Segundo documentos da história local, Coroados era a denominação da tribo que originalmente habitou a região. Portanto, além de instrumento de troca, a moeda social funciona como instrumento de valorização da cultura local.

As moedas sociais funcionam, inicialmente, como um crédito fornecido pelo embrião do banco social local aos associados, permitindo o surgimento de um contexto de abundância, onde antes havia um contexto de escassez.

Vale lembrar que o dinheiro (aqui considerado como oficial) foi criado para facilitar e potencializar as trocas, assumindo, inicialmente, funções como intermediário ou meio de troca, reserva de valor e instrumento de entesouramento.

O contexto de escassez acima citado, decorre da concentração dos meios de pagamento (dinheiro) nas mãos de poucos, visto que cerca de 95% do capital mundial está a serviço da especulação financeira.[5] Tal entendimento é reforçado por Klagsbrunn ao afirmar que “...constata-se um aumento do peso relativo da esfera financeira da riqueza, pois o volume de seus valores aumenta mais que proporcionalmente ao capital produtivo”. (2004, p.19).

A expansão e hegemonia do sistema capitalista, enquanto modo produtivo provocou mudanças, tendo, no predomínio quase exclusivo da produção voltada aos mercados (mercadorias), sua principal característica. Considerando que o acesso a tais mercadorias se dá em conseqüência da posse do dinheiro, deduz-se que sua não obtenção, implica, necessariamente, numa situação de carência, excluindo, dessa forma, do consumo, parcela significativa da população, a qual irá compor seu contingente destituído de condições básicas de sobrevivência. [6]
II - A ORIGEM HISTÓRICA DO CLUBE DE TROCA

A origem dessa estrutura de negociação posteriormente denominada clube de trocas solidárias, ocorreu na cidade de Vancouver, no Canadá, em virtude da grande crise na indústria florestal, iniciada na década de 1970, que acabou por provocar o fechamento de inúmeras empresas madeireiras, tidas como importantes fontes geradoras de emprego, o que acarretou séria crise econômico-social.

A alternativa encontrada pelos trabalhadores desempregados, logo apoiada pelos agentes econômicos locais, foi a instituição de trocas generalizadas, possibilitando a manutenção de parte do poder de compra da comunidade. O uso de moedas locais foi conseqüência da necessidade de expansão das trocas, as quais envolviam números crescentes de agentes econômicos. Uma característica comum existente tanto nos clubes de trocas inicialmente introduzidos no Canadá, quanto nos atuais, instalados em praticamente todo o mundo, decorre da inexistência de uma fórmula única, pré-estabelecida, para ser instalada em distintas localidades. Torna-se consensual que cada clube de troca local deve estabelecer ações solidárias em sintonia com as especificidades locais.


[1] Desvinculação do dólar ao padrão ouro, realização da primeira desvalorização do dólar no período pós-guerra, elevação extorsiva das taxas de juros internacionais e deterioração dos termos de intercâmbio.
[2] Empresas autogestionadas são aquelas cujos trabalhadores respondem pela produção e gestão, dentro de uma estrutura democrática, onde todos têm acesso às informações, sendo que as decisões, principalmente aquelas tidas como mais relevantes, são tomadas em assembléias gerais, nas quais todos têm igual poder de decisão.
[3] Alvin Toffler, em seu livro A Terceira Onda, criou a denominação prossumidores, para definir as pessoas que simultaneamente atuam como produtoras e consumidoras.

[4] Entende-se por função de produção a relação entre a produção de um bem e os fatores de produção utilizados em sua geração.
[5] Disponível em http://www.geranegócio.com.br/html/geral/microcrédito/trocaed.html, acessado em 23 de fevereiro de 2009.
[6] Isto explica porque, no capitalismo, quem tem dinheiro tudo pode. Quem não tem dinheiro, mas tem crédito, tudo pode também. Agora, quem não tem dinheiro, nem crédito, que é a condição da maioria, nada pode no sistema capitalista.

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