segunda-feira, 1 de março de 2010

TROTE ESTUDANTIL

O trote estudantil, tido como uma iniciação dos alunos calouros promovida pelos veteranos, não é uma prática recente. Afinal, nas primeiras universidades da Europa, desde a Idade Média, os alunos iniciantes já eram submetidos a práticas tais como corte de cabelo, pintura no rosto, mãos amarradas e outras ações com elevado grau de humilhação e vexame.

Considerando que a universidade é um local onde se prega e pratica valores e hábitos humanitários, torna-se incompreensível que tais práticas de segregação, domínio e autoritarismo sejam confundidas como uma inocente e lúdica iniciação de integração.

Durante os primeiros anos da década de 1960, antes da quartelada, tal prática tinha uma clara conotação de conscientização política, quando os calouros eram induzidos a se manifestarem em relação a questões como a Lei de Diretrizes e Bases do Ensino, a luta contra o autoritarismo na estrutura universitária, os papéis dos centros acadêmicos e diretório central dos estudantes na democratização da gestão universitária, o combate ao analfabetismo na construção de uma sociedade mais justa e outras questões do gênero.

A partir do golpe militar de 1964, os truculentos militares que assumiram o poder, trataram de reprimir as lideranças políticas, cerceando o direito de crítica e de ação da população, condenada a um longo e duradouro processo de alienação. A partir de 1968, com a assinatura do Ato Institucional número cinco (AI-5), do fechamento do Congresso Nacional, da assinatura do Decreto-Lei 477 (era o AI-5 das universidades, que transformou estudantes e intelectuais em reféns da ditadura), as condições de liberdade foram abolidas, sendo proibida qualquer manifestação de caráter político por parte dos estudantes, nas universidades e fora delas. Ressalte-se que algumas práticas irracionais, tais como as agressões físicas ou verbais aos calouros, denominadas de trote, longe de serem reprimidas, foram, por esse fato, extrapolando seus limites até chegar as raias da barbárie, com consequências fatais.

Após incansável luta empreendida por estudantes, professores, intelectuais, políticos, religiosos, sindicalistas, líderes comunitários, entre outros, além, é claro, da pressão exercida pelo movimento de anistia internacional, os militares foram perdendo fôlego e, “de forma lenta e gradual”, foram retornando aos quartéis, de onde, diga-se de passagem, não deveriam jamais ter saído.

Pois bem, nesse novo cenário político de abertura democrática, as liberdades de imprensa e de organização começam a dar o tom das novas ações dos atores sociais. Nesse contexto de abertura, os estudantes reabrem seus organismos desatrelados e esfacelados pela ditadura, voltando a ocupar os centros acadêmicos e o diretório central, como instrumentos de conscientização e ação política universitária.

Na atualidade, após virarmos essa página negra da história política brasileira, para a qual muitas vidas foram ceifadas pelos gorilas fardados, o que vemos? O que fizeram com a consciência política dos estudantes? E com a militância? Quantos estudantes entram na universidade para viabilizar um projeto de vida comprometido com a nação? Qual o real significado do lema da Campanha da Fraternidade: “Ninguém pode servir a dois senhores: a Deus ou ao dinheiro”? Será que os estudantes que recebem os calouros com tinta, cabeça raspada, pedágio e outras formas de humilhação se dignarão a responder tais indagações?

Na verdade, eu tenho poucas informações sobre as articulações dos veteranos de cada curso da UFSJ no que diz respeito à recepção dos novos companheiros de curso. Como trabalho há muito tempo na Economia, e conheço de perto os membros do CALE (Centro Acadêmico Livre de Economia), não receio em afirmar que eles tudo farão para receber os calouros de forma respeitosa e civilizada, aproveitando esses contatos iniciais para alertá-los de que a UFSJ é uma instituição pública, e como tal, temos compromissos com o povo brasileiro que, ao pagar seus impostos, financia a formação dos futuros profissionais, os quais, por esse fato, devem comprometer-se com a construção de uma sociedade justa, equânime, solidária e respeitosa.