segunda-feira, 26 de abril de 2010

CUIDADO COM OS ECONOMISTAS QUE SÃO APENAS ECONOMISTAS

Contam que, certa feita, um cidadão, economista, ao passar de carro por uma estrada no meio rural, avistou um pescador à beira do rio, e resolveu a certa distância, verificar como era seu processo produtivo. [1]

O economista constatou que o pescador possuía uma lata com algumas minhocas, às quais recorria, vez por outra, para utilizá-las como isca, e que, como instrumentos de produção, [2] valia-se de um caniço e um samburá.

Entre uma pitada e outra de seu cigarro de palha, o caipira deliciava-se, ora com o cantar prodigioso de um pássaro, ora com o vôo imprevisível de uma borboleta multicolorida ou, até mesmo, com a musicalidade do vento a soprar as copas das árvores. [3]

Após pescar alguns peixes, suficientes para prover sua subsistência, [4] e supondo ainda uma sobra eventual que poderia ser trocada, numa relação de escambo, [5] por algum produto excedente gerado por outro membro de sua comunidade, a lata foi esvaziada e o restante das minhocas voltou à terra úmida de onde saíra. Em seguida, a linha foi enrolada no caniço e, o samburá[6], retirado da água com os peixes fisgados. Por fim, lá se foi, roça à dentro, aquele tranqüilo e sereno cidadão.

Na semana seguinte, passando o economista pelo mesmo caminho, avistou, uma vez mais, o pescador que repetia ipsis literis [7] todo o seu processo produtivo. Como a curiosidade sobre a atividade produtiva do pescador persistia, o economista parou, sentou-se um pouco mais perto que da vez anterior e continuou a observar.

Passado mais ou menos o mesmo período de tempo que compunha a sua jornada de trabalho[8], e conseguindo efetivar o mesmo produto[9] (peixes fisgados), estava o sertanejo preparando-se, uma vez mais, para retirar-se, quando, ainda à distância, foi abordado pelo economista:

- Se você realizar uma jornada extra de trabalho[10], muito provavelmente, irá gerar um produto maior, saindo dessa economia natural, [11] possibilitando ainda o surgimento de um excedente econômico[12] que, ao ser vendido, tornará possível a acumulação de capital[13], afirmou o economista, iniciando um diálogo com o pescador.

- Após dias ininterruptos de maiores jornadas de trabalho, geradoras de produtos e receitas marginais[14], afirmava ainda o economista, você poderá adquirir um barco. A posse de tal bem de capital [15]possibilitará a escolha de águas mais piscosas que, por sua vez, irá gerar maiores produtos e rendas. Após algum tempo, esses produtos e receitas adicionais possibilitarão a compra de outro barco, proporcionando-lhe oportunidade de contratar trabalhadores assalariados[16], transformando-o de produtor direto[17] em capitalista[18].

Já impaciente o caipira perguntou:

- Até agora está tudo certo, eu só gostaria de saber aonde vai levar essa conversa toda.

- É muito simples, concluiu o economista: você deixará de ser trabalhador, assumindo a função de empresário, recebendo, consequentemente, um rendimento[19] que terá embutido seu lucro[20]. Desta forma, você ampliará substancialmente seu consumo, elevando seu padrão de vida[21], alem de passar a fazer apenas o que gosta.

- Se entendi bem, iniciou o pescador, o amigo sugere na sua linguagem, que eu aumente minha produção (através da elevação da jornada de trabalho), que eu realize a acumulação de capital (através da produção sistemática de um excedente), que eu faça investimentos (comprando barcos), que ainda mude meu papel no processo produtivo (de produtor direto a empregador), pois assim, terei retorno sob a forma de lucro, com conseqüente elevação em minha qualidade de vida.

- Eu gostaria, contudo, continuou o pescador, que o amigo considerasse algumas questões, tais como: a) é importante repensar o tipo de sociedade que estamos construindo, pois, entendo que a qualidade de vida não deva ser avaliada, apenas, em termos mercantis ou quantitativos; b) a racionalidade social, assim como a ambiental, ambas diretamente ligadas à vida, não devem ser superpostas pela racionalidade econômica, visto que há uma complementaridade e indissociabilidade em todas as formas de organização da vida; c) é necessário reconsiderar alguns conceitos como riqueza e pobreza. Isto explica que segurança, afeto, identidade e partilha, entre outras condições, devam ser considerados na formulação de tais conceitos; d) esse tal de desenvolvimento econômico[22], que de forma inapropriada é tão comumente confundido com crescimento econômico[23], na minha concepção, deveria primeiro, combinar eficiência com suficiência, para evitar o tão propalado consumismo, com impactos visíveis no equilíbrio ambiental do planeta, além, é claro, referir-se primordialmente a pessoas e não a objetos; e) por fim, meu caro e simpático teórico da ciência da escassez[24], trazer soluções prontas é tão arrogante, anacrônico e paternalista que, na concepção desse humilde pescador deveria ser substituído pelo estímulo ao diálogo, onde falar torna-se tão importante quanto ver, ouvir e sentir.

E o economista, acostumado a subordinar conceitos e valores aos fins econômicos, saiu macambúzio, apressado, encabulado até, desconfiado agora que talvez seja mais adequado obter um elevado grau de satisfação a partir de um baixo índice de consumo, o que diminui a demanda sobre os recursos naturais e fontes energéticas, e mais, que muito provavelmente a satisfação de muita gente pode ser suprida priorizando-se a utilização de recursos locais, como fazem o pescador, o artesão, o agricultor que pratica a agricultura familiar e outros produtores de perfil assemelhado.

Contam as boas línguas, que esse mesmo economista, diante do irrealismo de muitos postulados do modelo neoliberal, andou informando-se da existência de um novo paradigma, denominado Economia Popular Solidária, o qual se fundamenta em um conjunto de ações coletivas, estabelecidas de forma democrática, através da prática da autogestão[25], relacionadas à produção, comercialização, consumo e crédito, com foco no empoderamento[26] de pessoas e empreendimentos[27], e que, a partir de então, embora discordando do físico Luiz Pinguelli Rosa ao afirmar, em entrevista durante a 57ª reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, que “... os economistas são os seres mais problemáticos da vida contemporânea”, não deixou de considerar o ponto de vista do liberal Friedrich Hayek, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1974, ao afirmar que “... um economista que só é economista torna-se prejudicial e pode constituir um verdadeiro perigo”.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

EATON, John. Manual de Economia Política. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1965.

JESUS, Paulo de. Desenvolvimento Local, in: CATTANI, Antonio David (Org.). A Outra Economia. Porto Alegre: Veraz Editores, 2003.

LAPIDUS & OSTROVITIANOV. Princípios de Economia Política. Volume I. Belo Horizonte: Aldeia Global livraria e Editora Ltda, 1979.

LIRA, Roberto G. de Brito. Para Aprender Economia. São João del Rei: Editora da Universidade Federal de São João del Rei, 2006.

SCHUMACHER, E. F. O Negócio é Ser Pequeno. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977.

SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002.

Boletim do Centro Acadêmico Livre de Economia. São João del Rei: UFSJ, março/2007.



[1] Entende-se por processo produtivo a atividade que, utilizando-se dos fatores de produção (capital, recursos naturais e trabalho) gera bens e serviços voltados ao mercado.

[2] Todas as coisas que direta ou indiretamente permitem transformar a matéria-prima (bem intermediário) em produto final são consideradas instrumentos de produção.

[3] Tais condições caracterizam o aspecto prazeroso da atividade laboral, típico dos modos de produção como o comunista primitivo, asiático e manufatureiro. Sob o modo de produção capitalista, o foco exclusivo torna-se a maximização da mais-valia, o que pressupõe a submissão do trabalho ao capital, excluindo-se, por conseguinte, as condições lúdicas da produção.

[4] Define-se como sendo uma prática de subsistência aquela na qual a produção tem por fim o consumo, não voltando-se, consequentemente, de forma sistemática ao mercado.

[5] Entende-se por escambo a troca direta, o que pressupõe a duplicidade de interesses e disponibilidades, realizada sem intermediário de troca, feita em espécie.

[6] Neste caso, o caniço e o samburá são classificados como capital natural, qual seja, aquele existente no modo de produção de mercadorias simples, constituído por ferramentas de ofício. Este capital era tido como irrealizável, visto que, dado o incipiente intercâmbio e diminuta circulação, tornava-se hereditário, passando dos pais para os filhos.

[7] Textualmente: tal e qual.

[8] Define-se jornada de trabalho como sendo o tempo de trabalho no qual o trabalhador aloca a sua capacidade de trabalho nas atividades geradoras de bens e serviços.

Como contrapartida à venda da capacidade de trabalho, no capitalismo, o trabalhador recebe um salário, considerado como necessário à sua produção.

Ainda no modelo capitalista, a jornada de trabalho divide-se em duas partes: tempo de trabalho necessário e tempo de trabalho excedente. Na primeira, são gerados valores que cobrem os custos de produção. Na segunda, o chamado tempo de trabalho excedente, corresponde ao período em que é criada a mais-valia, que é o lucro extraído a partir do mais valor criado pelos trabalhadores, porém, apropriado pelos proprietários dos meios de produção (no caso, os capitalistas).

[9] Define-se produto, como sendo algo que é gerado em uma unidade produtiva, resultado da ação transformadora do trabalho, capaz de satisfazer necessidades e ofertado em um mercado.

[10] Entende-se por jornada extra de trabalho um tempo superior ao período que caracteriza uma jornada rotineira de trabalho.

[11] Quando a produção restringe-se à subsistência do produtor, inexistindo um excedente sistemático, diz-se que a economia encontra-se em um estágio de auto-suficiência ou natural.

[12] Excedente Econômico é a parte da produção que não é absorvida pelos gastos necessários à mesma produção.

[13] Acumulação de capital é o processo através do qual parte do excedente econômico gerado em determinado período de tempo, transforma-se, no período posterior, em novo capital.

[14] Produtos e receitas que são agregadas à produção e receitas de uma dada entidade produtiva.

[15] Entende-se por bem de capital ao fator de produção que gera outros bens a partir do chamado consumo produtivo. Tal consumo dar-se-á através do processo produtivo, onde os bens intermediários são transformados em bens finais.

[16] Os trabalhadores assalariados são partes dos agentes que compõem o segmento ocupado da População Economicamente Ativa (PEA) e que estão envolvidos em atividades econômicas, recebendo, por esse fato, remuneração direta ou indireta.

Como o PEA representa a oferta de trabalho do sistema econômico, além dos trabalhadores empregados citados anteriormente, são considerados ainda na formação desse agregado os trabalhadores desempregados que, embora aptos e desejosos de trabalhar, não são absorvidos pelo aparelho produtivo.

Importa salientar ainda que o trabalho assalariado é típico do modo de produção capitalista, visto que nos modos de produção comunista primitivo, feudal e escravocrata os trabalhadores não vendiam sua força de trabalho e, consequentemente, não recebiam salários.

[17] É classificado como produtor direto aquele trabalhador envolvido no processo produtivo, transformando a matéria-prima em produtos finais. Tais ações ocorrem nas atividades fins das empresas.

[18] Entende-se por capitalista o agente proprietário dos meios de produção utilizados na atividade produtiva da empresa. Tais meios são utilizados pelos trabalhadores na geração de bens econômicos voltados ao mercado (mercadorias).

[19] O rendimento auferido por um empresário será a contrapartida das vendas realizadas na atividade fim da empresa, adicionado aos rendimentos não-operacionais.

[20] Denomina-se lucro capitalista (ou mais-valia) à parcela do valor da mercadoria em que é incorporado o trabalho não-remunerado. Observe-se que tal incorporação dar-se-á no chamado tempo de trabalho excedente, visto que os custos de produção são cobertos pelo valor gerado no tempo de trabalho necessário.

[21] O padrão de vida é um índice que relaciona a quantidade e a qualidade dos bens consumidos, vis a vis, as necessidades (vitais e de existência social) de uma pessoa ou grupo, a partir de uma determinada renda disponível.

[22] Segundo Paulo de Jesus, “… somente haverá desenvolvimento quando a mudança contemplar a totalidade de uma sociedade ou, quando não, beneficiar uma maioria” (JESUS, 2003).

[23] O cálculo tradicional da variação do crescimento econômico se faz tomando-se por base exclusivamente a geração dos produtos produzidos internamente em uma região ou país.

Note-se que, na atualidade, a receita do tipo “tamanho único” (PIB), para avaliar o crescimento econômico, está sendo questionado em outros terrenos, além do social e ambiental.

A economista Hazel Henderson é enfática ao propor a construção de novos indicadores de desempenho econômico, através de método multissetorial – economia ecológica, economia de recursos naturais etc, possibilitando a construção de um novo paradigma que vá além do “Consenso de Washington”.

[24] Diz-se que a economia é a ciência da escassez, em conseqüência da mesma ter por objetivo compatibilizar a resolução de necessidades ilimitadas, a partir da disponibilidade de recursos produtivos escassos e de usos excludentes.

[25] Aqui entendido como sendo um conjunto de práticas sociais nas quais as decisões ocorrem de forma horizontalizada, autônoma, com a participação e ciência de todos os membros do coletivo.

[26] A concepção de empoderamento torna-se importante, visto que pressupõe o desabrochar das potencialidades internas das pessoas, coletivos, comunidades e povos, o qual dar-se-á a partir da consciência de cada um de que é possível e necessário tornar-se sujeito de seu próprio desenvolvimento, participando ativamente da defesa de seus interesses, contribuindo nas transformações locais e de seu entorno.

[27] Cooperativas, associações, clubes de trocas solidárias, empresas autogestionárias recuperadas pelos trabalhadores, empreendimentos estruturados sob a forma de redes de colaboração solidárias etc.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

A Digital de Deus




Com o intuito de fazer uma faxina em meu computador, resolvi abrir algumas pastas e reler alguns artigos escritos em tempos idos. Reli textos onde discutia questões como precarização do trabalho, desemprego, concentração de renda, inflação, dívida externa, economia solidária, economia da dádiva, entre outros tantos assuntos. Dentre os artigos “revisitados”, um, particularmente – A Digital de Deus -, escrito na primavera de 2005, na Ilha de Fernando de Noronha, proporcionou-me um gostoso sentimento de reencontro com histórias, lembranças e pessoas queridas.

Considerando que este texto foi apenas apresentado em sessão do Instituto Histórico de Olinda-Pernambuco, escrito para materializar um sentimento de gratidão meu para com a Ilha, pela oportunidade de poder usufruir de tão exuberante expressão de beleza natural, além da necessária tranqüilidade para dar os últimos retoques a uma obra de introdução à economia – “Para Aprender Economia”-, e, como dito, apenas apresentado em sessão do Instituto Histórico de Olinda-Pernambuco, resolvi publicá-lo neste blog, para compartilhá-lo com meus leitores.

Vamos, portanto, ao artigo.

No final do século XV, mais precisamente em 21 de abril de 1500, os portugueses, movidos pelo desejo de alcançar as Índias, acabaram chegando ao Brasil.

Em 1503, o navegante português Américo Vespúcio, em expedição com objetivo de reafirmar a posse e denominar topônimos, teria sido o primeiro português a pisar em Fernando de Noronha.

Em 1504, Fernão (Fernan) de Loronha, fidalgo português que financiara a expedição ocorrida no ano anterior, recebeu do rei de Portugal, Dom Manuel, a primeira capitania hereditária criada no Brasil, situada em Fernando de Noronha.

Em 1629, com a vinda dos holandeses para o Brasil, mais especificamente para o nordeste brasileiro, foram, os batavos, responsáveis pela expansão e conseqüente desenvolvimento da economia canavieira, tendo ainda, marcante presença no Arquipélago de Fernando de Noronha.

No intervalo de 1629 a 1654, período da permanência dos holandeses no nordeste brasileiro, foram inúmeros os avanços implementados na Ilha. Dentre estes, podem-se destacar as construções de um conjunto de dez fortes, com o propósito de defender a posse diante das ações de possíveis invasores[1], de um conjunto de casas que deu origem a Vila dos Remédios, atual sede da Ilha, além de uma colônia correcional.

Em virtude da distância que separa a Ilha do Continente, este paraíso foi utilizado repetidas vezes como local de reclusão de presos. Assim, em 1739, para lá foram transferidos inúmeros ciganos, tidos, pelas autoridades, como vadios.

Já em 1844, os revolucionários aprisionados da Guerra dos Farrapos, tiveram a Ilha, como local de degredo.

No ano de 1890, os negros praticantes da capoeira, foram lá aprisionados, visto que as autoridades concluíram que a prática da capoeira era motivo de desordem. Posteriormente, em 1938, já em plena ditadura Vargas, a Ilha, que até então era administrada pelo Estado de Pernambuco, passou a ser subordinada à União, sendo seu presídio ampliado para funcionar como local de reclusão para presos políticos. Com este mesmo fim, a Ilha de Fernando de Noronha, foi utilizada pelos militares golpistas que tomaram o poder político, pela força das armas, no longo período de 1964 a 1985.

Após muitos anos, infelizmente, não há resquícios visíveis de traços culturais transmitidos às gerações posteriores pelos negros capoeiras, pelos revolucionários gaúchos nem pelos povos ciganos.

Mas, como não apenas os segregados foram trazidos à Ilha, viajantes e velejadores de inúmeras nações procuraram Fernando de Noronha como um porto seguro e aprazível para o desfrute das belezas lá existentes. Assim foi que, em 1816, o célebre pintor francês Debret, que lá esteve como membro de uma comitiva francesa, teve oportunidade de se inspirar no Morro do Pico, o ponto mais alto da geografia local, para produzir uma de suas mais belas telas.

O naturalista Charles Darwin, atraído pela exuberância das espécies animais existentes na Ilha, teve oportunidade de em 1832, fazer um relato rico e minucioso da fauna aquática e terrestre do local.

Como mecanismo de preservação das espécies existentes na Ilha, o Governo do Estado de Pernambuco, em parceria com o Ibama, criou, em 1988, o Parque Nacional Marinho.

Por fim, em reconhecimento à importância da preservação das inúmeras formas de vida existentes no Arquipélago de Fernando de Noronha para o planeta, a Unesco, em 2001, reconheceu o mesmo como Sítio do Patrimônio Mundial Natural.

Fica, portanto, para os inúmeros visitantes que têm a oportunidade de se extasiarem com tamanha manifestação de beleza natural, a certeza de que a criação dos incontáveis peixes multicores, corais de variadas formas e tonalidades, pedras e seixos que são resquícios de erupções vulcânicas de eras remotas, tudo isso, pressupõe a existência de um Criador ímpar. Não é necessária muita busca para nos assegurarmos de que lá existem as marcas digitais de Deus, o Grande Arquiteto do Universo.




[1] Ainda hoje e possível encontrar inúmeros canhões trazidos na época, os quais estão distribuídos nos resquícios dos fortes que permanecem incólumes à passagem dos tempos.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

SAPO SEM INICIATIVA MORRE COZIDO

Algum ou alguma de vocês já tentou cozinhar um sapo numa panela? Não? Pois é, eu particularmente não aconselho a ninguém, principalmente, se tiver uma panela com água em ebulição, fervendo a cem graus Celsius e tentar colocá-lo dentro dessa panela. Nesse caso, o resultado é esperado: o batráquio sofrerá um choque térmico tão forte que, imediatamente, dará um pulo colossal e você nunca mais o verá.

Contudo, esse mesmo sapo terá um comportamento distinto, se for colocado em uma vasilha com água fria. Ele irá adorar. Ficará feliz da vida. Você até poderá acender um fogo brando, que o bichinho continuará quieto. Com o tempo, a água poderá até continuar esquentando e ficar morna, mas o sapo, bem, vocês verão: continuará quietinho, acomodado. Mesmo que sinta algum desconforto, algum calor, mas, por comodismo, continuará quietinho.

Que sapo gosta de água, todo mundo sabe disso. Isso explica porque sapo adora uma lagoa. Não apenas lagoa, brejo também. Beira de rio, então, nem se fala. Na verdade, o sapo que eu estou me referindo, se acomoda às mudanças quando elas acontecem lenta e gradualmente. Em parte porque não as percebe. Na maioria das vezes, contudo, por puro comodismo.

Bem, passado mais algum tempo, a água estará quente e, como o sapo não reagiu, não se rebelou, irá perdendo suas forças até vir a falecer. Cozido, é claro.

Nós, à semelhança dos sapos, vemos surgir em nosso dia a dia, fatos e ações que nos incomodam, tais como crescimento do desemprego estrutural, com consequente precarização do trabalho, deterioração nas condições de moradia, principalmente nas periferias das grandes cidades, reflexo de uma conjuntura de elevada especulação imobiliária urbana, esgotamento da capacidade dos aterros sanitários, causado pelo aumento exponencial na geração de lixo, consequente do consumismo exacerbado, típico das sociedades de consumo de massa, piora crescente nos serviços públicos de saúde que, aliada ao encarecimento dos serviços privados de saúde, exclui parcelas significativas da população a um atendimento eficaz, "amornando" e aumentando a “temperatura social”, principalmente, para segmentos menos afortunados.

Diante desse cenário exposto, fica a convicção de que, por desarticulação e falta de senso crítico, além de uma boa dose de comodismo, demonstramos nossa incapacidade de indignação diante dos apartheides e guetos que caracterizam esse bipolarismo típico entre ricos e pobres do capitalismo selvagem globalizado.É chegada a hora, portanto, de atentarmos para o fato de que, se o surgimento do capitalismo representou inovações e avanços, comparativamente ao feudalismo que lhe antecedera, por outro lado, esse modelo, no que diz respeito a geração de emprego e renda para a maioria da população, há muito já deu mostras cabais de que a economia de mercado deixou de ser solução para constituir-se em problema.

Nesse caso, urge não acomodarmos diante de tais mudanças, exercendo nosso papel na construção de uma sociedade que prima pela preservação da vida em detrimento do crescimento do capital.

Isso posto, uma nova economia, pautada não mais na concentração do lucro e do capital, na concorrência, no individualismo e na exploração da força de trabalho, surge, dando mostras de que uma outra economia é possível.

Nesse paradigma que surge de forma consistente e coerente, o trabalho se sobrepõe ao capital, a partilha da riqueza gerada se contrapõe à concentração do capital e a democracia participativa contrapõe-se à democracia representativa, ressaltando a necessidade do fortalecimento da autonomia através da autogestão.

Nesse caso, estamos falando da Economia Popular Solidária, que está sendo construída por todos e todas que acreditam que o crescimento econômico apenas terá sentido se vier acompanhado pelo bem viver de parcelas significativas da população, empoderando pessoas e coletivos.